A moda de Keila
A empresária e estilista Keila BenÃcio transformou a Blu K em uma marca com grande capilaridade e reconhecimento na região NordestePor Beto Lago, com fotos de Bosco Lacerda
A moda estava predestinada na vida de Keila Benício. Ainda menina, morando em Fortaleza, capital cearense, a quinta filha de uma família de seis era apaixonada por moda. A mãe, Maria Mirtes, sempre incentivava a filha a criar seus modelos. Primeiro para bonecas e, depois, as roupas que vestiam Keila e suas irmãs, que atraíam a atenção também dos vizinhos.
No final dos anos 1970, depois de casar, Keila Benício resolveu deixar o Ceará e vir morar no Recife. Ao tomar esta decisão, deixou de lado a tesoura e os moldes que aprendeu a manusear quando criança, incentivada pela mãe, e que vestiu suas bonecas, e depois a irmã, para se dedicar ao curso de Educação Física, na antiga Fesp. Mas, ao contratar uma diarista para ajudar nos serviços de casa, retomou o sonho de costurar.
“O trabalho, os sentimentos, a essência de tudo que tinha na época em Fortaleza voltou com tudo. E resolvi voltar a costurar algumas roupas, até por conta do incentivo das minhas amigas da faculdade”, relembra Keila.
Ela preparou alguns modelos e surgiu o desejo de apresentar seu trabalho. A ideia era promover um desfile, mas como o dinheiro estava curto, inovou: tirou todos os móveis do seu apartamento e espalhou as possíveis clientes pela sala, varanda, quartos, cozinha.“Virou um espaço inusitado, onde as minhas próprias amigas da universidade eram asmodelos, desfilando por todo o apartamento”, lembra. “Lembro que anos depois fui a umdesfile da Daslu, em São Paulo, e vi eles fazendo a mesma coisa, colocando as clientes portodos os locais e as modelos saindo de um local para outro”.
A iniciativa deu certo. Keila vendeu todas as roupas. Deixou o apartamento e foi para uma casa em Boa Viagem. Surgiu, assim, a Blu K, em 1982, numa sociedade com seu marido, William Benício.
Nascia Keila a estista Deixou a faculdade de Educação Física e entrou forte na moda. Atuava, inicialmente, no segmento atacadista, com um pequeno show room em casa mesmo, onde vendia os produtos. Para comprar tecidos, ia ao centro do Recife, as lojas como Fortunato Russo e Casa Guido. Mas a nova empresária queria conhecer matérias-primas de melhor qualidade. São Paulo e Rio de Janeiro, cidades fortes na indústria de tecido, eram o destino de Keila e William, que estudou Administração e virou seu braçodireito na empresa.

A empresária pensou nos detalhes. Mas a sua paixão era conhecer as particularidades do tecido. “Sou apaixonada por tudo que envolve a moda e sei que cada tecido tem uma história para contar. Sempre digo que o tecido manda em tudo. Quem não respeita o tecido, não faz uma boa coleção”, explica. “Assim como o marinheiro tem respeito pelo mar, tenho respeito pelo tecido. Porque é ele quem faz que eu veja a minha modelagem, o que vou fazer com ele e o que fica legal com cada um”.
O trabalho virou uma obsessão. E mesmo com os filhos nascendo, justamente no período em que buscavao crescimento da Blu K (Wilker nasceu no primeiro ano de casado, José William dois anos depois e, sete anos depois veio a filha Keiliane), a empresária se dedicava ao máximo ao crescimento do empreendimento.
“Quando você não herda, sabe que para iniciar uma empresa é uma batalha. Por isso tenho respeito por todos os empreendimentos, grande ou pequeno”.
O nome Blu K começou a reputação entre as mulheres. E a fábrica ficou pequena. Ocupavam uma nova sede, na Imbiribeira. Depois foram para Prazeres.
Consolidados, era hora de apostar no varejo. E a primeira loja foi no Shopping Center Recife, em 2001. E com o filho Wilker sendo o primeiro gerente. “Ele sempre esteve presente na fábrica, desde garoto, e foi crescendo nesse ambiente”.
Já não era mais hora de parar. Pelo contrário. Na cartilha, a ordem era crescer. Depois do Shopping Recife, vieram as lojas dos shoppings Tacaruna, Plaza e RioMar. Em seguida foram abrindo lojas em outras capitais nordestinas (João Pessoa, Natal, Aracaju e Salvador, que já conta com três). Atualmente são 12 lojas e dois show rooms de atacado (um na fábrica e outro em Boa Viagem).
Ainda neste semestre, a empresa abre sua 13ª loja, no Shopping Boa Vista, com uma nova proposta. “Vamos aproveitar coleções mais antigas, com produtos mais em conta para um outro cliente”, diz Wilker. A diferença está no ticket médio dos produtos. Enquanto nas lojas da Blu K as peças custam, em média, R$ 225,00, nesta nova loja a média vai estar na faixa de R$ 100,00.
A estilista lembra, com saudades, dos tempos em que as grandes indústrias faziam sucesso no nosso Estado e também no Sudeste do País. “Já tivemos loja por nove anos em São Paulo, na época em que o atacado era muito forte no País. Era bonito ver o mercado aquecido, as lojas cheias”.
Mas, a partir dos anos 1990, o mercado foi caindo. “Ele foi perdendo força. Está muito difícil para todos. As tecelagens não cresceram dentro do Brasil e acabaram importando os produtos de países do Oriente”.
A empresária recorda que Recife era uma força na região. “Quem não se lembra da Galeria Santo Antônio ou as fábricasno bairro da Torre? Tinha a Moda 10, que tinha 15 empresas fabricantes. Gerava muitos empregos. Hoje, ainda temos força na região de Caruaru, mas é preciso fazer mais para reaquecer o mercado”.
Para Keila, o varejo é muito detalhista, o empresário precisa estar no corpo a corpo, com total disciplina. Ela explica que o crescimento da Blu K é fruto do trabalho de equipe. “Você, para ganhar, precisa de uma equipe. A Blu K não é uma pessoa. Não existe um estilista, é um trabalho em conjunto, em que todos têm sua participação, sua liberdade para opinar e participar sempre do fortalecimento da empresa. Aqui, acreditamos em trabalho”.
Toda a produção, desde a criação até a finalização das peças, é realizada na própria fábrica. Garantia de originalidade, com o comprometimento de um time. Hoje, a empresa tem 300 funcionários, muitos desde o início da empresa. E mais de 90% são mulheres, mas Keila não faz diferenciação dentro do grupo. Na fábrica existe uma escola com o objetivo de formar novas costureiras para o mercado.
“Aqui não tem essa de diferença salarial entre homem e mulher. O que vale é a competência. Digo sempre que trabalho não prejudica ninguém, não faz com que ninguém deixe de criar seu filho, não faz você deixar de olhar sua casa. Pelo contrário, o trabalho te dá força. Quero esse olhar para a empresa e também para dentro de suas casas”.
Sempre que é possível Keila viaja para conhecer as novidadesdo mercado da moda. Em 2002, a Blu K chegou a participar da Feira Internacional Pret-à-porter, em Paris, um dos mais importantes eventos de moda do mundo. E, desde aquela época, observou que a moda atual é para todos.
“A comunicação chegou para mudar isso. Hoje, se você estiver no Sertão verá a mesma moda que a pessoa no Japão, na Inglaterra. Agora, cada um com o estilo que convém ao seu público”, diz Keila, acompanhada do fiel escudeiro, Logan, um shitzu de sete anos. “Quando viajo procuro conhecer, garimpar a cultura e trazer referências para o trabalho, claro, sem perder a essência da marca”. Trinta e quatro anos depois, a Blu K conquistou credibilidade. E ter o respeito dos fornecedores e clientes é motivo de alegria para a estilista.
“Aprendi com o mestre Chico Anysio que o sucesso não é para sempre e que você não sabe aonde vai parar. Isso é deuma inteligência, de um sentido de vida enorme. Não importa de onde você veio, importa onde você quer chegar”, filosofa. “Admiro as pessoas que falam e vivem a verdade. E se a gente pensar desta forma com o nosso País, deixar de se vender, deixar de votar errado, vamos mudar o Brasil. Não acredito em quem não mostra seu currículo, sua história, do que é capaz”, afirma, numa crítica ao atual momento político brasileiro.
O que deixa Keila triste é ver a falta de um sentimento mais forte de amor ao Estado, de valorizar o que a gente tem.
“Vejam só, quando chegamos no aeroporto não vemos uma bandeira de Pernambuco. Se você chega na França, nos Estados Unidos, a bandeira está em todo lugar. Temos que criar este amor pelo Estado”, ensina a cearense de nascença, mas pernambucana de coração.

Gastos por classe
As pessoas dobram seus gastos mensais com moda a cada degrau que sobem na escala social. Nas classes D e E, se gasta praticamente tudo em necessidades básicas como moradia e alimentação. Em média, o que sobra é em torno de R$ 40 para acessórios e roupas.
Na classe C, o gasto com roupa chega a R$ 97,00.
Na classe B, sobe para R$ 202,00 e, na classe A, este
valor atinge R$ 455 por mês.
Números do setor
Empresas – 350 mil no País
Empregos – 650 mil postos de trabalho
Produção – Estima-se mais de 6 bilhões de peças por ano
Salários – Movimenta mais de R$ 9 bilhões
O Brasil ocupa a quinta posição no ranking dos maiores consumidores de roupas, com US$ 42 bilhões em vendas por ano, sendo o potencial de captura por pesquisas online de R$ 15 bilhões. Com este número, o segmento está no topo das mais vendidas no e-commerce nacional e internacional.